Ao contrário
do que acontece na maioria dos países europeus, nos quais a deliberação das
Cortes Constitucionais – com as devidas particularidades – é feita a portas
fechadas e com o grande objetivo de alcançar um consenso, a Corte
Constitucional brasileira decide seus casos não apenas em sessões abertas ao
público, como também televisionadas. Além disso, na medida em que os ministros
decidem como 11 ilhas, nas palavras de Conrado Mendes – pois redigem seus votos
prévia e individualmente e dificilmente são persuadidos pelos argumentos
trazidos pelos seus colegas –, adquirem identidades judiciais públicas, isto é,
personificação midiática.
Partindo desse
panorama, José Rodrigo Rodriguez, em “Como decidem as cortes? Para uma crítica
do direito (brasileiro)” – obra que lhe rendeu o prêmio Jabuti de 2014 – chama
atenção para a impossibilidade de se identificar uma voz institucional,
racional e unificada do Supremo Tribunal Federal, bem como para a naturalização
do emprego de argumentos de autoridade para fundamentar as decisões judiciais. Isto
é, o autor identifica a alusão à produção doutrinária não para fins de
justificar a reconstrução sistemática do sentido das normas jurídicas, mas para
unilateralmente se defender uma posição com base na opinião veiculada por este
ou aquele autor. Dessa forma, pontua que “os argumentos trazidos servem mais
para reforçar a opinião do autor da decisão do que para fazer uma discussão
ampla e profunda sobre as características do direito brasileiro em relação ao
caso concreto em exame”.
Aliás, Rodriguez
destaca também que é no mínimo peculiar a possibilidade de que cada ministro
publique um voto individual integralmente, ainda quando de acordo com a
justificação e o resultado do voto do relator ou de outros membros do
colegiado. Para ele, isso pode ser explicado, em parte, justamente pelo fato de
os “debates” entre os ministros serem públicos e televisionados, direcionados,
portanto, a uma plateia. Assinala, ainda, que em um modelo tal é possível a
produção de uma decisão unânime com 11 fundamentações diferentes, não
dialogadas entre si. Dessa forma, o desenvolvimento do direito se dá tão
somente através da referência ao resultado dos casos anteriores, de modo ad hoc. A forma como o entendimento da corte é
redigido também acentua esse déficit.
Isso porque o acórdão resultante do processo de deliberação, regra geral longo,
é desorganizado e de difícil compreensão, visto que consistente na mera
agregação dos votos individuais. Equivale, assim, a uma colcha de retalhos.
Bem
vistas as coisas, o autor define o direito brasileiro como uma justiça
opinativa, representada por meio de ementas e enunciados cujo conteúdo,
demasiado resumido, nem sempre corresponde a uma reconstrução argumentativa fiel
à opinião da Corte, a uma porque esta muitas vezes sequer é identificável, a
duas porque o ministro responsável pela elaboração do acórdão não raramente
reproduz os argumentos de seu voto individual, em detrimento dos argumentos
consensualmente alcançados. Tendo isso em vista, Rodriguez adverte que “ao que
tudo indica, o Brasil parece possuir um direito que se legitima simbolicamente
em função de uma argumentação não sistemática, fundada na autoridade dos juízes
e dos tribunais; mais preocupada com o resultado do julgamento do que com a
reconstrução argumentativa de seus fundamentos e do fundamento dos casos
anteriores”.
Por
outro lado, o autor refuta que o momento atual se caracterize por uma desmedida
“judicialização da política” ou um “ativismo judicial”, os quais apenas fazem
sentido quando tomada, como ponto de partida, uma concepção clássica de
separação de poderes, inaplicável à dinâmica institucional atual. O crescente
destaque da ingerência do Poder Judiciário, para ele, nada mais é do que
contraparte necessária de um processo caracterizado pela crise da representação
política, do princípio da legalidade e do padrão de racionalidade adequado para
descrever a aplicação das normas jurídicas. Em especial no Brasil, o momento é
de redesenho das instituições, em todos os níveis. Para ele, “já dispomos de
suficiente experiência democrática para saber que o direito como fenômeno
social não pode ser reduzido a uma simples ‘voz do poder’, mas que é uma etapa
decisiva da disputa política entendida em sentido amplo”.
Nessa
medida, assim como o princípio da separação dos poderes, a noção de segurança
jurídica também passou por reformulação. Apesar de ter sido pensada como “a
existência de respostas únicas e unívocas para os problemas jurídicos
apresentados diante do Poder Judiciário”, a possibilidade de se obter mais de
uma resposta para questões jurídicas é um fato normal, não apenas diante da inerente
equivocidade e abertura da linguagem – pois um texto fechado pode implicar
maior equivocidade do que um texto aberto –, mas sobretudo pela flexibilidade
com que o texto constitucional deve ser interpretado dentro de uma sociedade
complexa.
Com
efeito, hoje, segurança jurídica não corresponde à obtenção de uma resposta
única para cada problema jurídico, consistindo numa resposta suficientemente
justificada de acordo com os critérios e o limite temporal vigentes em cada
ordenamento jurídico. Esta resposta, conforme destaca Rodriguez, jamais será
“a” resposta final, mas “uma” resposta que, apesar de colocar fim ao caso
concreto, é provisória e colabora para a evolução do
direito através da promoção do debate jurídico no seio social.
Nenhum comentário:
Postar um comentário