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quinta-feira, 28 de março de 2013

Um livro inesquecível




 Melina Girardi Fachin[1]

A obra do escritor português José Saramago é indelével, como um todo, de minha memória literária. Desde sempre gostei e me identifiquei com a narrativa do autor português. Foi, porém, após ouvi-lo presencialmente, em fala do Fórum Social Mundial de Porto Alegre em 2005, que tive a certeza tratar-se de meu autor favorito.

Dentro do complexo conjunto da obra desse autor destaca-se uma em particular: “Conto da ilha desconhecida”. Neste livrinho – que de diminuto apenas tem a extensão – é que se encontra, a meu ver, um Saramago – ainda que cáustico como de costume – menos cético.
O Conto é movido pelo pleito do homem do leme que foi bater as portas do Rei para lhe pedir um barco a fim de buscar a ilha desconhecida. A perseverança e insistência do homem dobraram a descrença dos geógrafos do reino que afirmavam que “ilhas por conhecer é coisa que se acabou desde há muito tempo”[2]. O homem, nutrido pelo seu sonho de liberdade, enxerga no barco do Rei o instrumental necessário para a efetivação de sua procura da ilha desconhecida. No entanto, ao mesmo tempo em que trilha seu caminho em direção à ilha desconhecida, descobre esta dentro de si, como algo que jazia dormente e, então, aflorou. 

A mim, este livro é especialmente importante, pois, foi a partir dele, sob a orientação da Profª Vera Karam de Chueiri, nos bancos da graduação desta Faculdade, que iniciei meus estudos do direito constitucional, traçando uma ponte com a literatura. Bem como o homem da história de Saramago, que com o barco fornecido pelo rei traçou uma ponte entre seu sonho e a efetivação deste – buscar a ilha desconhecida – a reflexão que se consolidou, sobretudo na minha monografia de conclusão de curso, singelamente buscava mecanismos efetivos de aproximação do discurso teórico e da proteção efetiva dos direitos humanos e dos direitos fundamentais (nossa ilha desconhecida). A ilha desconhecida forneceu, assim, importante passo metodológico para navegar os mares da contemporaneidade jurídica.

Mais do que falar da estória, o objetivo do presente texto é provocar a leitura do Conto para desvelar que a ilha desconhecida subsiste tanto no coração de quem a busca como também nos arquipélagos da vida, o que, de fato, a torna uma busca incessante. Assim, “a ilha desconhecida faz-se enfim ao mar, à procura de si mesma.”[3]

[1] Doutoranda em Direito Constitucional, com ênfase em direitos humanos, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/BR (2010-andamento), sob a orientação da Prof. Dra. Flávia Piovesan. Visiting researcher da Harvard Law School (Cambridge/USA, janeiro à março de 2011). Mestre em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/BR (2008), sob a orientação da Prof. Dra. Flávia Piovesan, tendo defendido dissertação acerca dos fundamentos dos direitos humanos (Obra publicada pela ed. Renovar, 2009). Possui aperfeiçoamento em Direitos Humanos pelo Institut international des droits de lhomme (Strasbourg/FR, 2005) e graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná/BR (2005). É professora assistente da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), professora assistente voluntária de direitos humanos na Pós-Graduação Stricto Sensu da PUC/PR e professora convidada no curso de especialização em direito constitucional do IDCC (Londrina/PR). Autora de diversas obras e artigos na seara do Direito Constitucional Internacional e Direito Internacional dos Direitos Humanos. Advogada sócia da banca Fachin Advogados Associados (Curitiba/PR, 2006). Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PR.
[2] SARAMAGO, J. O Conto da Ilha Desconhecida. São Paulo: Cia das Letras, s.d. p 31.
[3] Id. p. 62.

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