AMARAL,
Ricardo Batista. A vida quer é coragem:
a trajetória de Dilma Rousseff a primeira presidenta do Brasil. Rio de Janeiro:
Sextante, 2011. 336 p.
"O Senador José Agripino Maia,
de longeva oligarquia nordestina, político da antiga Arena e líder do DEM,
tomou a palavra logo no início da sessão. Sua ideia era carimbar a
pré-candidata de Lula como pessoa mentirosa" (...), alegando que estivesse mentindo, tal
como fizera na prisão, durante a ditadura. Ao que Dilma respondeu:
"Eu me orgulho muito de ter mentido, senador, porque mentir na
tortura não é fácil. Na democracia se fala a verdade. Diante da tortura, quem
tem coragem e dignidade fala mentira. (...) Todos nós somos muito frágeis, nós
somos humanos, nós temos dor. E a sedução, a tentação de falar o que ocorreu e
dizer a verdade é muito grande. O senhor não imagina quanto é insuportável.
Então, eu me orgulho de ter mentido, eu me orgulho imensamente de ter mentido,
porque eu salvei companheiros da mesma tortura e da morte." (p.
179-180)
Passagens
como essa, narrando a vitoriosa trajetória pessoal de Dilma Roussef,
tornam "A vida quer é coragem", de Ricardo Batista Amaral, um livro inesquecível. Porque
inesquecível é a própria vida da Presidenta do Brasil.
Apesar
da sua "fragilidade humana", tal como dito na resposta ao Senador,
Dilma na verdade sempre foi uma pessoa muito forte. Batalhadora incansável,
destacou-se em diversos episódios ao longo de sua vida.
Seu
senso de justiça já estava aflorado na primeira infância. "Pedro Rousseff (o pai) era capaz de rir de
coisas que deixavam dona Dilma (a mãe) aflita, como no dia em que a filha
rasgou ao meio uma nota de alguns cruzeiros para dividir com um menino pobre
(naquele tempo os pobres batiam à porta das casas para pedir trabalho, esmola
ou comida) - Onde já se viu rasgar uma nota? Que burrice! Essa menina não sabe
o que é dinheiro - afligiu-se a mãe. Não sabia mesmo, mas começava a perceber
que havia muitas pessoas sem nada no mundo." ( p. 27)
Na
juventude dedicou-se à militância política lutando por liberdade e democracia,
estudando muito, participando ativamente de organizações como a Polop, Colina,
VAR-PALMARES, sem se recusar a qualquer tipo de trabalho. Em 1965, "A organização [Polop] fazia finanças à base
de mensalidades, e Dilma era uma das responsáveis pelo carnê da revolução"(p.
40). E as demandas prosseguem: "No
final de 1966, com a organização de novo sem dinheiro, Beto Soares de Freitas
selecionou uns versos da MPB - Torquato Neto, Geraldo Vandré, Chico Buarque - e
pediu para Guido Rocha ilustrar com uns desenhos abstratos. Surgiram assim os
cartões de Natal mais incrementados que a cidade já tinha visto. Nada podia ser
menos revolucionário (e mais constrangedor para uma moça de classe média) do
que vender cartões de Natal na porta das lojas do centro da cidade, mas Dilma
cumpriu a tarefa. Tudo pela causa..." (p. 41).
Mas
a vida lhe reservara testes muitos mais difíceis do que esses. "Os jornais tinham publicado um retrato falado de Galeno [o primeiro
marido] e eles decidiram mudar a
aparência, o que Vera [uma amiga] tratou de fazer com muita tintura de cabelo e
nenhum senso de equilíbrio. À noite, a TV mostrou que a polícia também tinha
batido na casa de dona Dilma Jane em busca do casal [Galeno e Dilma]. Foi
quando a família soube que Dilminha estava "metida em política" muito
além do que imaginavam. Era impossível ser clandestino em Belo Horizonte. Ainda
incomodado com os cabelos vermelhos, Galeno foi de ônibus para o Rio (...).
Dilma seguiu uma semana depois. A Colina estava chegando ao fim e seu primeiro
casamento, também." (p. 53)
Presa
, Dilma foi barbaramente torturada,
conforme ela mesmo narra - , só que para outras fontes, que o livro reproduz,
já que o autor Ricardo Batista Amaral
não entrevistou a própria Dilma para escrever essa biografia. "Foi uma sorte muito grande, uma alegria
imensa quando um dia encontrei Celeste" ele se lembra. Conversando com
ela, Carlos [o segundo marido] soube do essencial que se filtrava da cadeia:
Dilma estava viva, não tinha entregado ninguém e tinha sido transferia para o
DOPS. Do inferno ao purgatório." (p. 76) Depois ela ainda ficaria
presa no presídio da avenida Tiradentes - na famosa Torre das Donzelas, tendo prestado depoimento no Quartel da PE do
Rio, a "tenebrosa sede do DOI-Codi" ( p. 84) e sido condenada em
inquéritos penais-militares (IPM) em Juiz de Fora, São Paulo e Rio. Foi
libertada em 1972:
"Antes de se mudar para Porto
Alegre, Dilma passou o Natal de 1972 e algumas semanas mais com a família em
Belo Horizonte, para se recuperar das feridas. Estava muito magra e tinha a
glândula tireoide arruinada, mas sobrevivera a um ano de clandestinidade, a
três de cárcere e a 22 dias de tortura - cada um desses dias valendo uma
eternidade. Não seria mais a Estela da VAR-Palmares, nem Vanda, Luíza, Marina ou
Maria Lúcia, mas ainda era Dilma Rousseff, uma brasileira de 25 anos, com uma
vida para começar e uma país para mudar. "(p. 88-89)
E a
mudança no país começou pelo Rio Grande do Sul, onde Dilma brilhou como "a
luz do apagão", por ter conseguido, mesmo em condições adversas, se
antecipar aos problemas energéticos e investir em gás e em energia eólica.
Devido a sua intervenção "Enquanto a
oferta crescia no Rio Grande do Sul, o Brasil enfrentava a maior crise de
abastecimento (...), uma crise longamente anunciada: o apagão." (p.
121). Com tanto destaque, imediatamente passou a fazer parte da equipe que
trabalhava no programa de governo do PT, no grupo de energia do Instituto
Cidadania. "Na primeira reunião com
o grupo, Lula reparou duas coisas na nova companheira: Dilma recorria toda hora
a um laptop recheado de dados e informações e era a única ali com experiência
de governo. Tinha jeito de ministra." (p. 123)
E
foi Ministra das Minas e Energia, Chefe da Casa Civil e ... Presidenta do
Brasil!
O
livro narra toda a trajetória da mulher de fibra, de forma memorável e
cativante, mas sem chegar a ser reverente - na verdade quem faz a referência
sou eu mesma, uma admiradora já de longa data. Mas logo aviso - após a leitura
ininterrupta dessa grande obra, passei a ser uma fã assumida!
Cada
capítulo serve para engrandecer ainda mais a pessoa de Dilma Roussef, além de
ser uma aula sobre a história do Brasil, a vida dos brasileiros e a luta diária
diante dos desafios que se impõem:
Em
sua caminhada rumo à Presidência do país, Dilma teve que superar mais um grande
obstáculo: "Fechada a porta da sala,
Dilma tomou o telefone nas mãos e ouviu a confirmação da suspeita que levara o
cardiologista a insistir com obstinação nos exames: a biópsia, ele disse,
indicou um linfoma, um câncer nos gânglios. (...) Um breve silêncio foi
quebrado por um suspiro longo, e Dilma voltou os olhos na direção do secretário
particular, que tinha permanecido todo o tempo vigilante junto à porta da
sala: - A vida não é fácil. Nunca foi."
(p.12)
É
Dilma, a vida quer isso mesmo da gente: A VIDA QUER É CORAGEM!
Professora de Direito Internacional Privado da UFPR
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