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terça-feira, 4 de setembro de 2012

Livro inesquecível


A teoria pura do direito: linhas geniais de Hans Kelsen

No último dia 21 de agosto recebi convite que me deixou muito honrado. Deveria escrever um breve texto sobre "Um livro inesquecível", para ser publicado no blog da Biblioteca de Ciências Jurídicas da UFPR. Confesso que a escolha não foi difícil. Há um livro em especial que exerce grande influência sobre mim. E essa influência é declarada a tal ponto que, ao conversar durante um jantar com duas grande amigas - Paula Pessoa e Maira Portes - sobre o texto que escreveria, antes mesmo de mencionar a obra, ambas soltaram em alto e em bom som: Você vai escrever sobre o Teoria pura do direito do Kelsen, certo? Exatamente. Dedicarei as breves linhas sobre a obra que, a meu ver, é uma das mais geniais. 

Reine Rechtslehre colocou o nome de Hans Kelsen entre os grandes juristas. Assim como Copérnico - na astronomia - e Kant - na filosofia -, Kelsen foi responsável por uma verdadeira revolução na Teoria do Direito. Criou a teoria jurídica pura, ou seja, uma teoria pura do direito, e não uma teoria do direito puro. Logo nas primeiras linhas da obra, Kelsen esclarece que essa teoria é uma teoria do direito positivo em geral, e não de uma específica ordem jurídica. Mais: explica que a pureza diz respeito ao fato de a teoria se ocupar apenas do Direito, desconsiderando aquilo que não possa ser determinado como tal.


Mas as contribuições não cessam aí. São conhecidas suas palavras sobre os Princípios da causalidade e da imputação e, ainda, a diferenciação entre Normas jurídicas e proposições jurídicas. Segundo Kelsen, a função exercida por ambos os princípios, quando tomados em consideração às proposições às quais são aplicados – o da imputação às proposições jurídicas e o da causalidade às leis naturais – são análogas. Visam a ligar entre si dois elementos. As diferenças existentes entre os princípios da causalidade da imputação são bem demonstradas por Kelsen. Em primeiro lugar, diferenciam-se pelo elo que une o pressuposto e o conseqüente. Nas chamadas leis naturais a ligação independe de atos de vontade, o que não se observa nas normas jurídicas. Em segundo lugar, a série imputativa é finita, enquanto a cadeia causal é interminável. Melhor explicando: à determinada causa concreta (hipótese de incidência) liga-se determinado efeito concreto (conseqüência). Esse efeito concreto, por sua vez, passará a ser causa que fará surgir novo efeito, e assim continuamente. Na série imputativa, isso não ocorre. O efeito decorrente de um pressuposto não será, automaticamente, pressuposto de novo efeito.

Realizada a distinção, voltemos os olhos para a Ciência do Direito, que é o campo científico que se prende ao estudo do direito positivo. Kelsen defendia que “...são as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica...” e, ainda, que “A ciência jurídica tem por missão conhecer – de fora, por assim dizer – o Direito e descrevê-lo com base no seu conhecimento”. Foi Kelsen quem primeiro realizou a distinção entre enunciados prescritivos do Direito Positivo – normas jurídicas – e proposições jurídicas, fruto do labor do cientista do Direito. Em seu modelo, as normas jurídicas são mandamentos de observância obrigatória produzidos por órgãos jurídicos, enquanto as proposições jurídicas “...são juízos hipotéticos que enunciam ou traduzem os mandamentos das normas jurídicas”. Dessa forma, Kelsen percebeu a existência de dois planos de linguagem.

Quanto à enunciação do direito, Kelsen idealizou-a a partir da norma dupla, dúplice ou complexa, estabelecendo, num primeiro momento, que a norma complexa seria formada por uma norma primária, que descreveria a sanção a ser aplicada em decorrência da inobservância do comportamento almejado pelo Sistema de direito positivo, previsto na norma secundária.

Seriam necessárias breves palavras sobre a norma hipotética fundamental - Grundnorm à qual Kelsen dedicou várias páginas do Capítulo V, intitulado Dinâmica jurídica -; sobre aquela que não é posta, mas pressuposta; sobre aquela que é um ato de pensamento. Não há, entretanto, espaço para tal. Fica a promessa de, em breve, tratarmos do tema.
Finalizo defendendo a Teoria pura do direito - obra maiúscula, muito criticada, incrivelmente desconhecida. Sobre ser Kelsen positivista ou quase positivista, não tenho dúvida, é ele, genial. E isso, parece-me, já é o bastante.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009


Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR

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