A teoria pura do direito: linhas geniais de Hans Kelsen
No último dia 21 de agosto recebi convite que me deixou muito honrado. Deveria escrever um breve texto sobre "Um livro inesquecível", para ser publicado no blog da Biblioteca de Ciências Jurídicas da UFPR. Confesso que a escolha não foi difícil. Há um livro em especial que exerce grande influência sobre mim. E essa influência é declarada a tal ponto que, ao conversar durante um jantar com duas grande amigas - Paula Pessoa e Maira Portes - sobre o texto que escreveria, antes mesmo de mencionar a obra, ambas soltaram em alto e em bom som: Você vai escrever sobre o Teoria pura do direito do Kelsen, certo? Exatamente. Dedicarei as breves linhas sobre a obra que, a meu ver, é uma das mais geniais.
Reine Rechtslehre colocou o nome de Hans Kelsen entre os grandes
juristas. Assim como Copérnico - na astronomia - e Kant - na filosofia -,
Kelsen foi responsável por uma verdadeira revolução na Teoria do Direito. Criou
a teoria jurídica pura, ou seja, uma teoria pura do direito, e não
uma teoria do direito puro. Logo nas primeiras linhas da obra, Kelsen esclarece
que essa teoria é uma teoria do direito positivo em geral, e não de
uma específica ordem jurídica. Mais: explica que a pureza diz
respeito ao fato de a teoria se ocupar apenas do Direito, desconsiderando aquilo
que não possa ser determinado como tal.
Mas as contribuições
não cessam aí. São conhecidas suas palavras sobre os Princípios da causalidade e da
imputação e, ainda, a
diferenciação entre Normas
jurídicas e proposições jurídicas. Segundo Kelsen, a função exercida por
ambos os princípios, quando tomados em consideração às proposições às quais são
aplicados – o da imputação às proposições jurídicas e o da causalidade às leis
naturais – são análogas. Visam a ligar entre si dois elementos. As diferenças
existentes entre os princípios da causalidade e da
imputação são bem demonstradas por Kelsen. Em primeiro lugar,
diferenciam-se pelo elo que une o pressuposto e o conseqüente. Nas chamadas
leis naturais a ligação independe de atos de vontade, o que não se observa nas
normas jurídicas. Em segundo lugar, a série imputativa é finita, enquanto a
cadeia causal é interminável. Melhor explicando: à determinada causa concreta
(hipótese de incidência) liga-se determinado efeito concreto (conseqüência).
Esse efeito concreto, por sua vez, passará a ser causa que fará surgir novo
efeito, e assim continuamente. Na série imputativa, isso não ocorre. O efeito
decorrente de um pressuposto não será, automaticamente, pressuposto de novo
efeito.
Realizada a
distinção, voltemos os olhos para a Ciência do Direito, que é o campo
científico que se prende ao estudo do direito positivo. Kelsen defendia que “...são
as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica...” e, ainda, que “A
ciência jurídica tem por missão conhecer – de fora, por assim dizer – o Direito
e descrevê-lo com base no seu conhecimento”. Foi Kelsen quem primeiro
realizou a distinção entre enunciados prescritivos do Direito Positivo – normas
jurídicas – e proposições jurídicas, fruto do labor do
cientista do Direito. Em seu modelo, as normas jurídicas são
mandamentos de observância obrigatória produzidos por órgãos jurídicos,
enquanto as proposições jurídicas “...são juízos
hipotéticos que enunciam ou traduzem os mandamentos das normas jurídicas”.
Dessa forma, Kelsen percebeu a existência de dois planos de linguagem.
Quanto à enunciação
do direito, Kelsen idealizou-a a partir da norma dupla, dúplice ou complexa, estabelecendo,
num primeiro momento, que a norma complexa seria formada por uma norma
primária, que descreveria a sanção a ser aplicada em decorrência da
inobservância do comportamento almejado pelo Sistema de direito positivo,
previsto na norma secundária.
Seriam necessárias
breves palavras sobre a norma hipotética fundamental - Grundnorm - à
qual Kelsen dedicou várias páginas do Capítulo V, intitulado Dinâmica
jurídica -; sobre aquela que não é posta, mas pressuposta;
sobre aquela que é um ato de pensamento. Não há, entretanto, espaço
para tal. Fica a promessa de, em breve, tratarmos do tema.
Finalizo defendendo
a Teoria pura do direito - obra maiúscula, muito criticada,
incrivelmente desconhecida. Sobre ser Kelsen positivista ou quase positivista,
não tenho dúvida, é ele, genial. E isso, parece-me, já é o bastante.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR
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