Melina Girardi Fachin[1]
A
obra do escritor português José Saramago é indelével, como um todo, de minha
memória literária. Desde sempre
gostei e me identifiquei com a narrativa do autor português. Foi, porém, após
ouvi-lo presencialmente, em fala do Fórum Social Mundial de Porto Alegre em 2005,
que tive a certeza tratar-se de meu autor favorito.
Dentro
do complexo conjunto da obra desse autor destaca-se uma em particular: “Conto da ilha desconhecida”. Neste
livrinho – que de diminuto apenas tem a extensão – é que se encontra, a meu
ver, um Saramago – ainda que cáustico como de costume – menos cético.
O
Conto é movido pelo pleito do homem do leme que foi bater as portas do
Rei para lhe pedir um barco a fim de buscar a ilha desconhecida. A perseverança e insistência do homem dobraram a
descrença dos geógrafos do reino que afirmavam que “ilhas por conhecer é coisa que se acabou desde há muito tempo”[2]. O homem, nutrido pelo seu sonho de liberdade, enxerga
no barco do Rei o instrumental necessário para a efetivação de sua procura da
ilha desconhecida. No entanto, ao mesmo tempo em que trilha seu caminho em
direção à ilha desconhecida, descobre esta dentro de si, como algo que jazia
dormente e, então, aflorou.
A
mim, este livro é especialmente importante, pois, foi a partir dele, sob a
orientação da Profª Vera Karam de Chueiri, nos bancos da graduação desta
Faculdade, que iniciei meus estudos do direito constitucional, traçando uma
ponte com a literatura. Bem como o homem da história de Saramago, que com o
barco fornecido pelo rei traçou uma ponte entre seu sonho e a efetivação deste
– buscar a ilha desconhecida – a reflexão que se consolidou, sobretudo na minha
monografia de conclusão de curso, singelamente buscava mecanismos efetivos de
aproximação do discurso teórico e da proteção efetiva dos direitos humanos e
dos direitos fundamentais (nossa ilha
desconhecida). A ilha desconhecida
forneceu, assim, importante passo metodológico para navegar os mares da
contemporaneidade jurídica.
Mais
do que falar da estória, o objetivo do presente texto é provocar a leitura do Conto para desvelar que a ilha desconhecida subsiste tanto no
coração de quem a busca como também nos arquipélagos da vida, o que, de fato, a
torna uma busca incessante. Assim, “a
ilha desconhecida faz-se enfim ao mar, à procura de si mesma.”[3]
[1] Doutoranda em Direito
Constitucional, com ênfase em direitos humanos, pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo/BR (2010-andamento), sob a orientação da Prof. Dra.
Flávia Piovesan. Visiting researcher da Harvard Law School (Cambridge/USA,
janeiro à março de 2011). Mestre em Filosofia do Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo/BR (2008), sob a orientação da Prof. Dra.
Flávia Piovesan, tendo defendido dissertação acerca dos fundamentos dos
direitos humanos (Obra publicada pela ed. Renovar, 2009). Possui
aperfeiçoamento em Direitos Humanos pelo Institut international des droits de
lhomme (Strasbourg/FR, 2005) e graduação em Direito pela Universidade Federal
do Paraná/BR (2005). É professora assistente da Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Paraná (UFPR), professora assistente voluntária de direitos humanos
na Pós-Graduação Stricto Sensu da PUC/PR e professora convidada no curso de
especialização em direito constitucional do IDCC (Londrina/PR). Autora de
diversas obras e artigos na seara do Direito Constitucional Internacional e
Direito Internacional dos Direitos Humanos. Advogada sócia da banca Fachin
Advogados Associados (Curitiba/PR, 2006). Membro da Comissão de Direitos
Humanos da OAB/PR.
[2] SARAMAGO, J. O Conto da Ilha Desconhecida. São Paulo: Cia das Letras, s.d. p 31.
[3] Id. p. 62.
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