Fui
incumbido com a graciosa tarefa de escrever uma pequena contribuição a este
Blog. Agradeço, gentilmente, pelo convite realizado. Espero, do fundo de meu coração,
que este simples escrito possa contribuir para o desenvolvimento da leitura e na utilização da
Biblioteca de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná. Possuo uma
grande paixão, respeito e carinho por esta Biblioteca. Posso afirmar, com toda
certeza, como recém-formado, que os livros da Biblioteca de Ciências Jurídicas foram
essenciais para o meu incremento intelectual na Praça Santos Andrade.
Certamente,
o profissional/estudante de Direito vive em um mundo paralelo. O vocabulário
jurídico próprio, termos técnicos, manuais, referências doutrinárias,
precedentes e decisões judiciais, enfim, tudo aquilo que nos peculiariza e
acaba nos tomando precioso tempo para a leitura. A palavra é o meio de trabalho
do advogado, juiz, promotor, professor e de própria avaliação do estudante de
Direito, que passa 5 anos ininterruptos sendo constantemente avaliado por meio
da escrita.
Por
vezes, isso leva ao esquecimento
da beleza da literatura. Não me refiro à literatura jurídica, ou aos ensinamentos
doutrinários, mas à literatura na melhor acepção da palavra. Há uma frase de Jorge Luis Borges que sintetiza muito do
aqui tento expor “Siempre imaginé que el Paraíso sería algún tipo de biblioteca”.
Deste
modo, decidi não escrever sobre qualquer assunto jurídico, mas sobre meu
escritor favorito: Erico Verissimo.
Erico
Verissimo nasceu em 1905, na cidade de Cruz Alta, Rio Grande do Sul. Sua terra
amada é tema recorrente em seus escritos, sendo considerado como o maior
escritor gaúcho de todos os tempos. O romance O Tempo e o Vento é um verdadeiro marco na narrativa histórica
brasileira, pois descreve mais de 300 anos da história do Rio Grande do Sul, a
partir de três livros O Continente (2
volumes), O Retrado (2 volumes) e O Arquipélago (3 volumes), publicados ao
longo de 12 anos (1949-1961).
Ainda
muito jovem saiu de sua cidade natal com destino a Porto Alegre, trabalhando
durante alguns anos como farmacêutico. Entretanto, os negócios não foram nada
bem até que, no ano de 1930, decidiu desistir de trabalhar em sua farmácia, alçando
rumos como secretário da redação da Revista do Globo de Porto Alegre.
Sua
ida para a Revista do Globo pode ser definida como o verdadeiro marco para a
sua estabilização como escritor de renome e conhecimento nacional. Muito embora
o livro Olhai os lírios do campo, publicado
em 1938, o qual tentarei expor brevemente, não tenha sido a sua primeira obra,
foi esta que lhe deu estabilidade como escritor.
Conforme
afirmou o autor no prefácio do livro, “só depois do aparecimento de Olhai os lírios do campo é que pude
fazer profissão da literatura”.[1]
A
vastidão da obra de Verissimo permitir-me-ia escrever um verdadeiro livro sobre
o autor; porém, buscarei contar um pouco sobre Olhai os lírios do campo a fim de apresentar os leitores do Blog a
contemporaneidade do pensamento de Verissimo.
Eugênio
Fontes, a personagem principal do enredo, é um jovem médico recém-formado,
casado com Eunice, uma mulher muito rica da sociedade porto-alegrense. Casado
apenas pelo mero interesse financeiro, Eugênio tem um casamento infeliz, em uma
época em que não se concebia o instituto do divórcio.
A
primeira parte do livro relata a dura infância de Eugênio em uma Escola
Anglicana americana de Porto Alegre, na qual estudava com uma bolsa de estudos,
tendo em vista que seu pai era o zelador do Colégio. Crescido em meio a meninos
ricos, Eugênio sempre demonstrou certo desprezo por sua família, nomeadamente
na pobreza e nos problemas familiares dos Fontes, vendo os estudos como uma
forma de escapatória de sua vida humilde.
De
tal modo, Eugênio decidiu cursar Medicina, com o estrito intuito de encontrar
um refúgio para sua vida humildade e, em seu modo de ver, vergonhosa. Ao
começar o curso de Medicina, conhece uma jovem tão pobre quanto ele, Olívia,
com quem viria a possuir uma relação amorosa.
Entretanto,
pelos caminhos da vida, Eugênio deixou sempre muito claro a sua pretensão de
não se compromissar com Olívia, vindo a se casar por mero interesse com Eunice.
Eugênio sempre tinha os pensamentos fixos em Olívia, mas sempre demonstrava
irredutível quanto à sua condição financeira para o pleno desenrolar da afinidade
amorosa entre ambos.
Com
o passar dos anos, Eugênio perde contato com Olívia, já que esta parte para o
interior do Rio Grande do Sul para trabalhar como médica. Contudo, um belo dia,
Eugênio recebe uma longa carta de Olívia, relatando que, da relação amorosa
destes, fora concebida Anamaria, a pequena filha criada por Olívia escondida de
todos.
A
carta de Olívia a Eugênio, escrita antes de sua precoce morte, faz uma bonita
releitura do Sermão da Montanha de Jesus Cristo, descrito no Evangelho de
Mateus, fazendo reflexões sobre os nossos propósitos de vida e objetivos da
nossa existência. Além de promover este interessante debate, o escrito deixado
por Olívia desperta um pouco de compaixão e humildade em Eugênio.
A
partir deste acontecimento, seu casamento rompe e Eugênio busca uma nova vida,
atendendo pessoas pobres na periferia de Porto Alegre, vindo a assumir,
posteriormente, sua filha Anamaria.
Apresentando,
em linhas gerais, o contexto da obra Olhai
os lírios do campo, percebe-se que Erico Verissimo é um autor que trata de
temas muito atuais, e que ainda possuem direta ressonância na sociedade em que
vivemos.
A
mero título de exemplo, Olhai os lírios
do campo aborda questões como a traição, o divórcio, o racismo, as
dificuldades impostas pela vida moderna, a rápida urbanização das cidades, a
mudança de costumes, o aborto e, por incrível que possa parecer, a necessidade
de um sistema público de saúde universal, como o SUS funciona atualmente. O
mais surpreende é que Verissimo foi capaz de retratar todos esses assuntos em
uma única obra, em plena década de 30.
Portanto,
considero que a obra de Erico Verissimo é simplesmente genial, mormente Olhai os lírios do campo, constituindo
uma excelente opção de leitura a todos aqueles que queiram conhecer mais sobre
Erico Verissimo.
Recomendo
a leitura de Olhai os lírios do campo
como uma forma de realização de primeiro contato com a vasta obra de Verissimo,
que possui mais de 50 livros publicados.
Espero
ter contribuído com os objetivos do presente Blog, difundindo, um pouco mais,
sobre a vastidão da obra de Erico Verissimo, um homem que deve ser lembrado
como um dos maiores escritores brasileiros, seja pela singularidade de sua
escrita, seja pela perfeição e simplicidade para tornar o passado tema
recursivo no presente.
[1] VERISSIMO, Erico. Olhai os lírios do campo. Prefácio à
obra de 1966. 4. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 17.
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